Vi crianças...


Todos, desde sempre, vemos crianças: na família, pela rua, na escola, nos campos de jogos... Sempre vemos crianças; somente que às vezes, contudo, não nos detivemos para estender-lhes a mão, para falar com elas, para ouvir o que elas tinham para dizer... às vezes passamos à distância, com indiferença, sobretudo se as crianças que estavam à nossa frente era crianças de rua, filhos de ninguém, crianças desconhecidas e deserdadas...

Vi crianças lindas nascidas em maternidades, crianças desnutridas, crianças que passeavam por mercados sórdidos, crianças elegantes, crianças vestidas de trapos, com os pezinhos reduzidos a chagas por causa dos parasitas, crianças suadas, apestadas, que lutam para sobreviver. Vi crianças frequentarem a «escola» do alcoolismo, porque ninguém lhes paga a mensalidade escolar. Vi crianças caminharem por todas as partes, em busca de algo para comer, nos latões de lixo, e depois de um lugar onde dormir, debaixo das pontes.

Vi crianças-soldado com uniformes tão grandes que as engoliam, crianças que eram lançadas no chão pelo rebote do seu «kalashnikov». Eram intratáveis e tinham o gatilho fácil.

Vi crianças vítimas da AIDS, que cometeram o pecado de nascer de pais que contraíram esta enfermidade. Vi seus olhos perdidos nas órbitas, sua pele pegada aos ossos e a cabeça maior que o restante do seu corpo.

Vi crianças errantes, desalojadas; para afastá-las acusaram-nas que estavam endemoninhadas.

Vi crianças brigar por um pedaço de pão, queixar-se ou chorar um seu companheiro... Alguém se põe à sua escuta? Contudo, elas falam. Falam através do modo como se movem, com os olhares que lançam ao seu redor, da forma como se vestem, com sua debilidade, com sua linguagem singular... Dizem-nos o que são o que pensam a respeito da vida e da morte, da solidão e do frio, da fome e da nudez... Manifestam sua alegria, sua tristeza e sua própria angústia: expressam principalmente sua irritação... Dizem o que pensam da sociedade que os circunda. «Oh, como é malvado o mundo dos adultos!».

Vi um monstro na maternidade de Kalemba Mulumba em Kananga, os desamados de Bakwadianga em Mbujimyi, os filhos de um deus menor em Lubumbashi, sobre os tetos dos trens... Sobre os tetos dos trens em movimento, correm destemidos, porque já nada temem. Vi crianças agarradas a caminhões em movimento e vi o corpo inanimado de um menino, em uma queda mortal de uma caminhonete que corria velozmente...

Admirei sua coragem, a solidariedade que as une, seu engenho. Admirei sua resistência física, embora muitas delas já tenham morrido. Admirei como sabem conciliar a solidariedade à lei da selva, a angústia à inconsciência, a fragilidade à força, o risco à vontade de viver.


Vi salas de aula sem tetos nem janelas, sem piso e sem pastas. Vi alunos sentados no chão nas salas de aula; vi crianças deitadas de barriga no chão para escrever suas tarefas na escola. Vi estudantes sem folhas, sem lapiseira nem lápis. Vi alunos aglomerados em salas de aula minúsculas. Sim, vi muitas crianças! Vi também educadores de chinelos, pagos por crianças filhos de pais depauperados. Quem é que pensa nelas?

Encontrei uma dezena de religiosas que se encarregam de cuidar de algumas crianças. Dividem com estas últimas a própria casa, o pouco alimento de que dispõem. Suportam seus caprichos, sua má educação, seus modos feios, sua incapacidade de viver no meio do mundo, sua alegria e sua inocência, suas preocupações e suas angústias. Religiosas com o coração de uma mãe, religiosas cheias de afazeres, que não aguentam mais. Mas não existem ONGs que pedem e esbanjam fundos em nome de milhares de crianças?

Na Bíblia pude ler esta frase: «Aquele que recebe um destes pequeninos... em meu nome, é a mim mesmo que recebe» (Mt 18, 5); e também: «Meu filho, não deixes de ajudar o pobre... » (Eclo 4, 1-4).

Não são porventura pobres, necessitadas, indigentes, exasperadas, provadas... todas as crianças que pude ver? E é por acaso porque são bruxos, ou porque queremos esta em santa paz, que os rejeitamos? Ó, meu povo! Ó, minha Igreja! O que será amanhã destas crianças, filhos de ninguém, desconhecidas, abandonadas, desamadas, afastadas dos nossos lares, das nossas mesas e dos nossos leitos?

Cortesia de S. Ex.cia D. Vincent de Paul Kwanga 
(Bispo de Manono, ex-Diretor Nacional das POM, Kinhasa, Congo)

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